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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Tentando entender gente muito estranha e turn down for what



Veio de Wilson Gomes (via Facebook), e resolvi transcrever:

“Tenho um bom amigo que, entre 1994 e 2013, inundava as nossas caixas de e-mail com vídeos de sexo e fotos sensuais. Entre 2013 e 2017, mudou para o WhatsApp e passou a distribuir fartamente textões, memes e vídeos antipetistas, contra Dilma, e, depois, pelo impeachment. Desde o ano passado, ele envia, compulsivamente, material pró-Bolsonaro e a favor da intervenção militar.

Crianças, prestem atenção no que vos digo: coisas libidinosas são a última fronteira que separam as pessoas decentes da putaria política e da perversidade moral.

CAMPANHA POR UM MUNDO COM MAIS PORNOGRAFIA E SEXO E MENOS DEPRAVAÇÃO POLÍTICA.”

Wilson Gomes ainda escreveu, e transcrevo aqui essa excelente análise:

O BOLSOMITO E A GERAÇÃO LACRADORA (Coluna de maio da Cult impressa. Recomendado apenas para leitores)

Alguns dias de imersão, analisando posts e comentários dos defensores de Bolsonaro, fazem vacilar qualquer convicção de que a humanidade tem jeito ou reparo. Sobretudo porque a leitura dos conteúdos nos impele à triste conclusão de que, em sua maior parte, os bolsonaristas parecem ainda piores que Bolsonaro. Ver meninas de 20 e poucos anos declarando que "vacas defensoras de bandidos têm mais é que ser estupradas mesmo" balança qualquer um. Ver um garoto escrever que a deputada, a quem Bolsonaro disse não estuprar por não valer sequer um estupro, é uma vagabunda feia, e isso ser curtido por 2.500 pessoas em duas horas é para levar qualquer um a perder a fé na democracia.

Os defensores de Bolsonaro agora são legião, mas o que mais estarrece é que não são simplesmente uma multidão de membros de clubes militares e de velhinhos saudosos do governo militar (nunca “ditadura", com alguns fazem questão de dizer). Este era o perfil do defensor de Bolsonaro há alguns anos, a sua clientela política e a audiência-alvo dos seus espetáculos. Desta vez, não. As nossas análises dos que correram no último ano para formar a sua rede de apoio, repercussão e defesa indicam que esta é formada por um público novo. E, pasmem, por muitos, muitos jovens. Como pode ser isso?

Se você tem 30 anos ou mais provavelmente não entenderá em toda a sua complexidade o que quer dizer a expressão Bolsomito, referida a Jair Bolsonaro. Nem conseguirá explicar as mais de 25 mil respostas no YouTube em vídeos cruzando a expressão “Bolsonaro” e alguma outra da seguinte lista: mitagens, mitadas, humilhou, detonou, lacrou, thug life, deal with it e turn down for what. E variações. Nem por que há profusão de vídeos com #top10 mitagens, lacradas ou humilhações de Jair Bolsonaro, Danilo Gentili, Kim Kataguiri, Rachel Sheherazade, Olavo de Carvalho e outros “mitos” da mais tosca direita. Nem por que há tantos memes na internet em que Bolsonaro veste “os óculos de mito”, geralmente associados a alguma das expressões em inglês já mencionadas acima: thug life, deal with it e turn down for what.

Se você está agora à cata dos links desta coluna e do mecanismo de buscas do Google para entender pelo menos três itens dos enunciados acima, não se desespere. Significa simplesmente que você não pertence à Geração Bafônica e Lacradora que cresceu e se formou no dialeto do ambiente digital, imerso, principalmente, naquela parte do mundo maior que o próprio mundo que é o universo audiovisual do YouTube.

Esta é a geração que busca diversão, como qualquer outra, mas por meio de um tipo mais duro e competitivo de graça, baseada em escárnio, derrisão, zombaria. É a geração da troça, da zoeira, em que ser um bem-sucedido zoeiro é praticamente uma distinção social, sinal de rapidez de raciocínio e de irreverência. O herói dessa geração é o sujeito de raciocínio afiado, de irreverência pungente e de respostas desarmantes, que consegue deixar sem palavras os outros com que interage em uma espécie de competição permanente de espirituosidade. O herói da zoeira é o mito; a fala irresistível e fatal é a lacração, a humilhação, a mitada; competidor que ficou desarmado e sem reação sofreu uma fatality. É lixo! O universo narrativo nerd, geek que explica essas coisas vem do mundo dos vídeos e dos processadores e se imortalizam em memes, esses conteúdos em que se fixam e condensam ideias e eventos da torrente das mídias sociais.

A “thug life”, “vida loka”, o estilo “vida de bandido” é o que indica que “se está por cima”, que alguém pode e se garante. O “deal with it”, expressa que eu sou melhor que você, que é melhor que você aceite e que, no fim das contas, infantiliza qualquer reação do vencido descrevendo-a com um “mimimi”, para a qual se moldou a resposta “aceita que dói menos” ou “chola mais”. Por fim, o “turn down for what?”, que tem origem em uma música do DJ Snake e de Lil Jon, e significa que não há razão para parar a farra. A expressão, que virou uma espécie de “toma essa!”, é adequada para a celebração da lacrada, da humilhação, da fatality.

Mas o que tem a cultura juvenil, pop, nerd ou descolada, formada em ambientes digitais, da qual participa a garota mais escolarizada e com mais grana no bolso, com o universo arcaico e de velhos da política, principalmente com a política na sua forma mais grotesca, iliberal, conservadora e carcomida? Aparentemente, nada; na verdade, muito. A retórica para a mitificação de Bolsonaro vem justamente de onde menos se esperava, do nerdismo, da cultura do YouTube, da geração lacradora do universo digital audiovisual.

Bolsonaro sempre foi completamente "staged", encenado, planejado para conseguir atenção pública e efeito sobre o público. Passou anos vivendo de uma retórica extremamente agressiva, selecionada com cuidado para ofender e “causar”, principalmente em um ambiente liberal e democrático que queria se distanciar da ditadura militar, de onde retirava, a cada 4 anos, os 100, 200 mil votos de que precisava para manter o mandato e o salário. Recorre a esta retórica agressiva e revisionista porque precisa se diferenciar para o seu público-alvo tradicional: as viúvas da ditadura, os clubes militares, a soldadesca, e mais ninguém. Já foi encontrado assim, “causando e lacrando”, pela garotada despolitizada e meio perdida na vida da cultura da zoeira que literalmente mora no YouTube e nos ambientes digitais. Foi adotado por esta. A ausência de peias e limites daquele e o desinteresse por política, História e qualquer engajamento consistente com valores da Democracia e do Liberalismo, destes, gerou a curiosa combinação a que estamos assistindo, entre uma retórica de meninos que vivem online e uma posição política grotesca e arcaica.

O Bolsonaro irreverente, que não está nem aí para o “politicamente correto”, que diz na lata o que lhe parece, sem filtros, que não respeita nada nem ninguém, é o novo ídolo da turma que adora mitos, lacradores e zoeiros. Depois de Danilo Gentili, que até por idade tinha físico mais adequado ao papel, foi a vez de Jair Bolsonaro ser transformado no herói da irreverência, das frases lapidares planejadas com cuidado para soarem “politicamente incorretas”, da lacração, em suma, ser transformado no mito. Bolsomito! E se você não gostar, “chora que dói menos” ou “chola mais”.

O seu altar de triunfos são vídeos do YouTube, cheios de montagens e edições com efeitos especiais típicos dos mundos dos games e dos animes, plenos de animações em que nunca faltam os óculos de mitos da thug life e do turn down for what, encimados por expressões como “mitou”, “humilhou”, “detonou” e “lacrou”. A narrativa vai até o momento em que a frase de efeito do mito detona o adversário, encerra a argumentação, leva-o a nocaute, não importa como a história efetivamente continue na vida real. Depois da lacrada, tudo mais é irrelevante. Discussões são lutas, vencidas pelo golpe mais forte, definitivo, não importa se golpe baixo, se apelação, se desleal. O importante é lacrar. Atingida a lacração, óculos para o mito e música de celebração: game over, nada mais interessa.

A correlação entre a cultura juvenil digital (cultura nerd ou geek), comportamentos políticos hostis às minorias (no caso, a misoginia e o racismo) e apoio aos ultraconservadores já foi bem estabelecida nos Estados Unidos, por exemplo. No Brasil, não conheço estudos a fundo sobre esses vínculos, embora os sinais sejam abundantes, principalmente na retórica da zoeira que envolve a campanha de Bolsonaro e o apoio militante digital a Kataguiri e a Gentili, dentre outros “mitos” da direita conservadora. Mas também na gigantesca rede de ativismo digital ao redor de Bolsonaro, que emprega todos os recursos do universo dos algoritmos e dos bots, de um lado, e da infatigável usina de memes, vídeos e tags, de outro. Tudo isso acontecendo abaixo do alcance dos radares da Justiça Eleitoral, muito embora trate-se de campanha no sentido mais pleno do termo. Ocorre que no caso de Bolsonaro se trata principalmente de uma campanha conduzida pelo usuário dos meios digitais.

Neste caso, a campanha é que encontra Bolsonaro, não é ele quem a conduz. Tudo de que ele precisa é tão somente fazer o que sempre fez - ser grosseiro, rude e desrespeitoso – para manter-se na condição de mito. Como diz um famoso meme, the zoeira never ends, e a política assim tratada é apenas mais uma troça, mais um game, mais uma forma de disputa de pauladas, mais uma fight. Mesmo que isso acabe levando o rei da zoeira à presidência deste nosso tão estranho país.

Do site: O BOLSOMITO E A GERAÇÃO LACRADORA // https://revistacult.uol.com.br/home/bolsomito-e-a-geracao-lacradora/

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